terça-feira, 27 de setembro de 2011

Analfabetos Funcionais no Brasil( Pesquisa publicada)

Em 17/11/05, numa quinta-feira, no programa Atenção Brasil transmitido pela Cultura
FM, ouvi uma entrevista com o Dr. José Aristodemo Pinotti, à época Secretário da Educação de São Paulo, que dizia que “há várias crianças não alfabetizadas na 3ª série”.
O que aparenta ser um horror, é na realidade, bem mais comum do que deveria:
Domingo, 17 de setembro de 2006, no Caderno Nacional de O Estado de São Paulo, uma
manchete saltou aos olhos: “Taxa de analfabetismo reduz ritmo de queda no governo Lula”. O autor Fernando Dantas conseguiu deixar clara a crueza dessa realidade através de índices reais, obtidos de fontes tais como o PNAD/IBGE:

Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2005), o
analfabetismo vem registrando queda, de 1992 até 2002, de 0,5 % ao ano. Nos últimos anos essa queda ficou em 0,3 % ao ano, ou “em termos absolutos, havia 14,8 milhões de analfabetos em 2002 e, em 2005 esse número tinha caído apenas para 14,6 milhões”. Os números são explicados apenas por variações demográficas, o que implica que esses 0,3% de redução ao ano se devem principalmente pela morte de idosos analfabetos.
Segundo Dantas, “esses resultados...estão deixando perplexo o governo, que gastou, entre 2003 e meados de 2005, um total de R$ 330 milhões para alfabetizar 3,4 milhões de adultos, por meio do programa Brasil Alfabetizado”. Uma das possibilidades para explicar tal contra-senso segundo a matéria, seria, nas palavras do Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, Ricardo Henriques, “que o programa está atraindo muitos analfabetos funcionais, mas que não são absolutos.”

O Instituto Paulo Montenegro (IPM), braço social do Ibope, define, segundo a matéria de
Dantas, um alfabetizado funcional como sendo a pessoa “capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida”. A matéria menciona ainda, que além de não haverem estatísticas precisas do número de analfabetos funcionais no Brasil, dependendo do “rigor do conceito” pode estimar-se um percentual de 25% a 75% dos brasileiros. Ou seja, dependendo do critério adotado, o analfabetismo funcional brasileiro pode atingir de ¼ a ¾ da população do País!

Mais recentemente, o jornal Destak publicou uma entrevista com o cientista político
brasileiro Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro. Nessa entrevista, o cientista político afirma que “a sociedade brasileira tem os governantes que merece” e diz categoricamente que, “como o brasileiro tolera a corrupção, há muitos escândalos.” Um dos principais motivos citados por ele para essa tolerância, está basicamente na baixa escolaridade, ou seja, “menos instrução, menos democracia”. É natural que a queda observada pela OIT na produtividade brasileira, seja um reflexo direto desse panorama triste em que se encontra a população brasileira.

O próprio meio em que vive o brasileiro não incentiva a educação. Seja pelas dificuldades
de sobrevivência, que enviam um contingente cada vez maior de jovens ao subemprego em detrimento da educação, seja pelo imediatismo em obter resultados, e que infelizmente, só podem ser obtidos a longo prazo, através de carreiras sólidas e estruturadas, a idéia que se passa aos jovens, é que a educação não faz diferença para o sucesso de um indivíduo, ou seja, que a chamada “escola da vida” é o que realmente funciona. E não são incomuns “exemplos de sucesso” bem pouco edificantes... Aliam-se a preguiça em aprender formalmente, comum na juventude, ao descaso da sociedade em geral em relação à educação, para tratar algo que é fundamental e inerente ao ser humano – o aprendizado – como algo supérfluo, aborrecido, que “não terá uso prático” na vida das pessoas.

Muitos pais querem que seus filhos estudem, a fim unicamente, de obter um pedaço de
papel após alguns poucos anos de estudo formal e “exigido” pela sociedade. Esperam com isso, que seus filhos tenham “uma vida melhor que a deles”. Não estão muito interessados nas portas que a base do saber formal pode lhes abrir, nem nas pessoas que seus filhos podem vir a se tornar após adquirirem a capacidade de gostar de aprender coisas novas e a pensar por si mesmos, fundamental para a sobrevivência dos seres humanos. Através do incentivo a essas atitudes, o Brasil continua perdendo a chance de fazer a diferença num mundo globalizado. Fica à mercê de políticos e empresários desonestos, que utilizam a ignorância das massas em proveito próprio, como estamos cansados de ler, ouvir e ver nos noticiários.

O papel da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no processo de reversão desse quadro
Felizmente, esse quadro negativo pode e vem sendo revertido aos poucos.
Diante de campanhas lançadas por entidades internacionais como a V Conferência
Internacional sobre Educação de Adultos - Confintea de 1997 e outras, os países estão ficando conscientes da necessidade da erradicação do analfabetismo no mundo para que o tão almejado aumento de produtividade e a sonhada competitividade internacional em um mundo cada vez mais globalizado realmente ocorra.

Na Confintea, a Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos, preconiza
essencialmente:
“...A efetiva participação de homens e mulheres em cada esfera da vida é requisito fundamental para a humanidade sobreviver e enfrentar os desafios do futuro.
2. A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave
para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para
uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor
do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre
os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito
fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à
cultura de paz baseada na justiça... (1999, p. 19)”

Os esforços brasileiros atuais, em especial o Programa Brasil Alfabetizado, de 2003, são
os maiores que o Brasil já fez para erradicação do analfabetismo. Esses esforços entretanto, seriam apenas letra morta, caso não houvesse a participação da sociedade civil. É graças a entidades como a Associação Alfabetização Solidária – ALFASOL, que esse e  outros programas de interesse para nossa sociedade conseguem ser implementados. Fundada há 11 anos, a ALFASOL tem se destacado como um modelo nacional em Educação de Jovens e Adultos.

Essa modalidade de ensino pode e deve ser estendida, do ponto de vista metodológico, a
outras modalidades existentes. No que diz respeito principalmente ao aproveitamento da “história de vida” de seus participantes e, em seu uso no processo de aprendizagem, a EJA demonstra sucessos semelhantes aos obtidos nos processos de etnoaprendizagem. É notório que o conhecimento humano é uma escada construída sobre os degraus colocados por nossos antepassados étnicos e/ou culturais. O homem não precisa reinventar a roda a cada geração. Mas pode melhorá-la.

Um dos maiores problemas enfrentados pelos estudantes, e eu me coloco nesse meio
quando recordo as dificuldades iniciais com números e outros conceitos um tanto quanto
abstratos, é que a capacidade de exemplificação de cada professor era o que nos fazia aprender ou não os conceitos dados. Foi a partir de meus estudos sobre a história grega, que conceitos como o dos teoremas clássicos ficaram mais claros. O fato de saber como viviam e como pensavam, me proporcionou um maior entendimento sobre seus cálculos, que eram uma incógnita à época em que os aprendi, pois não lhes conhecia a utilidade. Da mesma forma, um professor que não domina os conceitos culturais de seus alunos, não consegue, na maior parte das vezes, fazer-se entender a contento. Não porque os alunos sejam ignorantes, longe disso, mas simplesmente porque sua realidade cultural é tão diferente da do professor, que os dois não conseguem falar a mesma língua, mesmo ela sendo o português. São os assim chamados ruídos da comunicação.

Nas palavras de Ubiratan D’Ambrosio, professor dos programas de Pós-Graduação em História da Ciência e em Educação Matemática da PUC de São Paulo:  “o Brasil destacou-se juntamente com os Estados Unidos, pelo potencial da etnomatemática na educação. Em sintonia com o pensamento de Paulo Freire, ela demonstrou que, além da importante pesquisa sobre o saber e o fazer matemático de várias culturas, abordado nas dimensões etnográfica, histórica e epistemológica da etnomatemática, dá-se igual importância à dimensão pedagógica, uma vez que ela propõe uma alternativa à educação tradicional(2005, pág. 9). ” A idéia, portanto, não é de desprezar o saber acadêmico tradicional, mas sim de, complementá-lo quando necessário, com uma abordagem etnológica, a fim de aproveitar  os conhecimentos dos alunos como feedback para a reestruturação do conceito pedagógico utilizado.

Dessa forma, a EJA, além de ser um modelo pedagógico indispensável para vencer o
desafio do analfabetismo brasileiro de uma vez por todas, também pode ser considerada uma metodologia base para a formação de alunos e professores para os níveis elementar e médio. Dessa forma, esses docentes poderão entender melhor e vencer as barreiras de aprendizagem de seus alunos. Afinal, o que se deseja é que as pessoas aprendam a aprender. Só assim o conhecimento poderá ser multiplicado e plenamente utilizado. Isso vem diretamente ao encontro do interesse nacional em aumentar a produtividade e a
competitividade do país ao nível internacional.

(Postado por Dila Borges)

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