domingo, 2 de outubro de 2011

ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EJA

ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EJA

     A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil,está ligada à história da educação popular em geral, sendo considerada como parte integrante da problemática mais ampla da educação popular. Desta forma é pertinente a explanação feita logo no início do 3º Capítulo do Parecer CNE/CEB nº 11/2000, referindo-se as leis como resultado de conflitos históricos-sociais que expressam a multiplicidade das forças sociais não apenas como decisões de legisladores específicos. Ou seja, as mudanças nas leis, no decorrer da história da educação, quer sejam de maneira a contribuir para um avanço quer para retroceder em pontos importantes, devem ser compreendidas conforme os conflitos sociais de cada período histórico. Os “movimentos educativos”, como tão bem coloca PAIVA (1983), “refletem basicamente as condições sociais, econômicas e políticas dessa sociedade”.
    Conforme expõe PAIVA ...no Brasil,devemos levar em consideração a precária formação cultural do profissional de nossas elites, bem como seu acompanhante preferido: a pretensão intelectual. A educação, por isso mesmo, sofreu especialmente em virtude de carência de quadros técnicos, da tradição dos pareceres surgidos de fora do campo especializado e do seu próprio caráter de prática social, que ajudaram a difundir a idéia de que, sobre ela, todos são igualmente capazes de opinar e decidir (1983, p .24). Os fatores que contribuíram para as várias modificações de perspectivas que a educação popular, e conseqüentemente a EJA, sofreu desde o início, são bastante complexos, portanto será dado maior ênfase às últimas décadas do século XX, aproximando-se das mudanças mais atuais.
    Sobre as modificações e reformas educacionais que ocorreram nas últimas décadas do século XX, é interessante lembrar o que cita o Parecer CEB nº 11/2000, “...é no interior de reformas autoritárias, como foi o caso das Leis nº 5.540/68 e nº 5.692/71, e desta modernização conservadora que o ensino supletivo terá suas bases legais específicas (BRASIL, 2000, p. 13).
    É com a lei 5692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que se encontra a primeira tentativa de articular sistematicamente as experiências de Educação de Adultos e Ensino Fundamental e Médio. Nessa mesma Lei, o ensino supletivo ganha um capítulo próprio (Capítulo IV) com cinco artigos. Os cursos seriam
organizados dentro dos sistemas estaduais e poderiam acontecer por correspondência, à distância ou por outros meios adequados; os exames seriam feitos em estabelecimentos oficiais e reconhecidos; as entidades
particulares que recebiam auxílio ou subvenções do Poder Público deveriam colaborar, promovendo cursos e outras atividades educativoculturais para adolescentes e adultos do ensino supletivo.
    Na década de 80 o processo de abertura política, embora lento, refletiu de maneira direta na organização de atividades no campo educacional. É o período em que houve uma grande movimentação em busca de mudanças sociais, inclusive na educação. Foi a partir desse período que se iniciaram a “sistematização das
pedagogias de natureza dialética”, com nomes como Moacir Gadotti (Pedagogia Dialética), José Carlos Libâneo (Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos) e Dermeval Saviani (Pedagogia Histórico Crítica) entre
outros, que segundo CASÉRIO (2003, p. 32-33),“começam a dar respostas em termos teóricos, e vão orientar a militância política das associações, mas com atuação política na construção da educação brasileira”. É nesse cenário da segunda metade da década de 80 – com a retomada da participação popular e, mais enfaticamente, com o fim do período ditatorial e com a eleição de Tancredo Neves pelo Congresso
Nacional – que é aprovada, pela Assembléia Constituinte, a Constituição Federal de l988. Esse movimento Constituinte assinala, no âmbito educacional, a possibilidade de realização das mudanças necessárias à educação brasileira, com vistas a ampliar o dever do estado com a educação básica para toda a população, incluindo, num mesmo nível de importância, tanto a educação das crianças e adolescentes, como a dos
que apresentam uma defasagem série/idade e, também, das pessoas jovens e adultas que não tiveram acesso à escolarização. Além disso, a Constituição apresentava, como meta, o prazo de dez anos após sua promulgação para que o país conquistasse a universalização do ensino fundamental e superasse as barreiras impostas pelo analfabetismo.
    Na Constituição Federal de 1988, vale ressaltar ainda que, no capítulo referente à educação, Capítulo III – Da educação, da cultura e do desporto, destaca nos artigos 205 a 212 a educação como direito de todos, com igualdade de acesso permanência gratuita da população nas unidades escolares e com conteúdos mínimos fixados nacionalmente, garantindo-se um padrão de qualidade, com o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para jovens e adultos que a ele não tiveram acesso anteriormente, propondo, ainda, a ampliação dessa gratuidade ao ensino médio.
    Em relação ao financiamento, esta Constituição define que as verbas públicas deveriam se destinar, prioritariamente à educação pública e, a partir da necessidade do estabelecimento de políticas educacionais, possibilita uma reforma nessa Carta, o que vai ocorrer com a Emenda Constitucional nº 14/96, que cria o Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF. Este Fundo, ao redistribuir os recursos da educação, reduz o investimento da União e exclui a Educação Infantil, a Educação de Jovens e Adultos e o Ensino Médio, além de incentivar um processo de municipalização ao transferir as dotações orçamentárias para os municípios.
   Considerando-se a educação de jovens e adultos, segmento central para este trabalho, vale ressaltar que no momento da aprovação da Constituição de 1988, a responsável pela política de erradicação do analfabetismo, em nível federal, é a Fundação Educar. Atuando especificamente na área da educação de jovens e adultos,a Fundação EDUCAR pretendia, a médio ou a longo prazo, erradicar ou reduzir significativamente o analfabetismo, através da inclusão da população analfabeta nas redes oficiais de ensino, orientando-se a partir do modelo administrativo da antiga Fundação MOBRAL. Conforme HADDAD, DI PEIRRÔ : Se em muitos sentidos a Fundação EDUCAR representou a continuidade do MOBRAL, deve-se computar como mudanças significativas a sua subordinação à estrutura do MEC e a transformação em órgão de fomento e apoio técnico, ao invés de instituição de execução direta. Houve uma descentralização das
suas atividades, apoiando técnica e financeiramente iniciativas de educação básica de jovens e adultos conduzidas por prefeituras municipais ou instituições da sociedade civil (1994, p. 54) Juntamente com o MEC, a EDUCAR organiza para o ano de 1990 o Ano Internacional de Alfabetização. A Comissão formada para a organização deste ano comemorativo fora instituída pelo então presidente da república, José Sarney, através do decreto nº 97.219/88. Essa mesma comissão seria desarticulada dois anos depois com a extinção, pelo governo Collor, da Fundação EDUCAR, através da medida Provisória nº 251. Esse processo reforça a imagem jáconstruída na política brasileira e que se constituía como um temor: de que interferências políticas acabam com projetos existentes A década de 90 é marcada, então, por uma tendência a difundir, junto a população brasileira, a concepção de que a luta pelos interesses individuais precisa se sobrepor à coletividade. Diante disso, são as novas formas de organização do capital, sintonizadas com todo o
processo de reestruturação das forças produtivas e com a divisão internacional do trabalho, que dão a tônica às relações estabelecidas nos aspectos sociais, econômicos, políticos e educacionais da sociedade brasileira. É esse redimensionamento da organização da sociedade que baliza o governo Collor, centrado nos princípios do neoliberalismo. Apesar do governo Collor se iniciar em 1990, cabe salientar que as discussões da construção do projeto político-pedagógico da lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional – LDB – com a comunidade organizada vinham sendo realizadas desde 1988. Após oito anos de tramitação e passando por quatro relatores, foi aprovada em dezembro de l996, a lei nº 9394, já no governo de Fernando Henrique Cardoso. Após oito anos de tramitação no Congresso Nacional, em fevereiro de 1996, o Plenário do Senado aprova a última versão da LDB. Embora o título da seção que trata da educação de jovens e adultos no texto da nova LDB, Lei 9394/96 - seja Educação de Jovens e Adultos, diferentemente do título da Lei nº 5692/71 que era Ensino Supletivo, o conteúdo de ambas as leis muda muito pouco, tendo em vista a ênfase
nos cursos e exames supletivos.
    No artigo nº 37 ,Parágrafo 2º da Lei 9394/96, embora esteja previsto “o poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si”, estas ações não são tão explicitadas na lei. É importante considerar que o projeto educacional apresentado e defendido pelo governo Collor priorizava investir na educação de crianças, desprestigiando, conseqüentemente, a educação das pessoas jovens e adultos. É nesse sentido que, José Goldemberg, terceiro Ministro da Educação do governo Collor declara que os adultos já conquistaram seu patamar na sociedade – seja em condições de emprego ou de subemprego – ao considerar que é fundamental investir
na alfabetização dos mais jovens e no ensino fundamental das crianças, conforme transcrevemos: O adulto analfabeto já encontrou seu lugar na sociedade. Pode não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não exijam alfabetização. Alfabetizar o adulto não vai mudar muito sua posição dentro da sociedade e pode até perturbar. Vamos concentrar os nossos recursos em alfabetizar a população jovem. Fazemos isso agora, em dez anos desaparece o analfabetismo (Jornal do Comércio, p.7, 12/03/ 91).
   Neste período é importante considerar a significativa influência dos organismos internacionais nos planos político e econômico, a propagação do discurso da qualidade total em educação,a exigência de inserção da educação nos paradigmas da modernidade. Segundo GENTILI ,na América Latina (em especial nos casos argentino, brasileiro e chileno) o discurso da qualidade referente ao campo educacional começou a desenvolver-se em fins da década de 80 como contra face do discurso da democratização(...) esta operação foi possível – em parte – devido ao fato dos discursos hegemônico sobre a qualidade terem assumido o conteúdo que este conceito produz no campo produtivo, imprimindo aos debates e às propostas políticas do setor um claro sentido mercantil de conseqüências dualizadoras e antidemocráticas (1995, p.115).
     No que se refere à Educação de Jovens e Adultos, notamos que, mais uma vez, a descontinuidade nas políticas deixa registrado o receituário dos organismos internacionais para a educação, atrelando-a
ao mercado e transferindo-a para a esfera privada.
    Em 1991, diante do agravamento da crise do governo Collor no plano político, no cenário educacional tenta-se restabelecer um programa de alfabetização que contemple a redução do analfabetismo. Essa iniciativa se configura pelo programa Minha Gente e do Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania, que tinha por objetivo reduzir em 70% o número de analfabetos no Brasil, universalizar o acesso ao ensino fundamental e viabilizar a participação do MEC no Programa Brasileiro de Qualidade. No entanto, de maneira geral, esses documentos não passaram de um projeto de intenções. Em 1992 , já no governo de Itamar Franco, tenta-se reverter a imagem negativa deixada pelo governo anterior, inclusive no que se
refere a educação de jovens e adultos, sendo estabelecidas algumas comissões com a tarefa de discutir a política educacional de jovens e adultos no Plano Decenal de Educação para Todos,no Projeto de Lei
LDB e na construção de um documento específico da área, em 1994.
Em relação à educação de jovens e adultos o Plano Decenal, conforme considera DI PIERRÔ. Reconhece a importância da educação básica para jovens e adultos e coloca metas ambiciosas de atendimento prioritário
à população de 15 a 29 anos; propõe-se alfabetizar 3,7 dos 17,5 milhões de analfabetos e prover escolaridade básica a 4,6 dos 18,8 milhões de jovens e adultos de quatro anos de estudos (1992, p. 27).
    Já em 2003, no governo Lula, por meio do Ministério da Educação – MEC, elegeu como prioridades ações para democratizar o acesso à educação em todos os níveis, por meio da continuidade do programa Brasil Alfabetizado, e da formulação de legislações visando à implantação de uma reforma universitária e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB.
    O Programa Brasil Alfabetizado apresenta avanços em relação às campanhas e programas de alfabetização promovidos no País desde a década de 1940 e especificamente em relação ao Alfabetização
Solidária, única iniciativa do governo federal entre 1998 e 2002.
    Inicialmente, deve-se valorizar o fato de ser um programa de iniciativa de governo, ao contrário do programa anterior, que punha na mão da sociedade civil a responsabilidade por um direito que só pode ser
realizado pela ação efetiva do Estado. Porém, os recursos destinados são insuficientes para atingir a meta anunciada. Entidades, ONGs e a sociedade também realizaram projetos de alfabetização.
   O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), também deve substituir o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), implantado
a partir de 1998 com o objetivo de financiar apenas o ensino fundamental para as pessoas de 7 a 14 anos, excluindo todos os demais níveis e modalidades da educação básica, como o ensino infantil e médio, e a educação de jovens e adultos.
   Com a criação do Fundeb, a previsão é de que sejam atendidos mais de 47 milhões de estudantes, matriculados na educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes municipais e estaduais, em todas as modalidades de ensino (educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena, educação profissional e educação do campo).
    A Emenda Constitucional Nº 53 , aprovada em 06 de dezembrode 2006, aprovou o Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação e tem por objetivo proporcionar a elevação e uma nova distribuição dos investimentos em educação. Com as modificações que o Fundeb oferece, este novo Fundo atenderá não só o Ensino Fundamental [6/7 a 14 anos], como também a Educação Infantil [0 a 5/6 anos], o Ensino Médio [15 a 17 anos] e a Educação de Jovens e Adultos, esta destinada àqueles que ainda não têm escolarização. O Fundef, tinha a perspectiva de investir e proporcionar a unversalização do atendimento apenas quanto ao Ensino Fundamental nas modalidades regular e especial, ao passo que o Fundeb vai proporcionar a garantia da Educação Básica a todos os brasileiros, da creche ao final do Ensino Médio, inclusive àqueles que não tiveram acesso à educação em sua infância.( Dila Borges)

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